por Fausto Junior
(publicação conjunta com o Caderno de Cinema)

Fuerteventura é uma das sete ilhas que compõem o arquipélago das Canárias, na Espanha. Na verdade fica bem mais próxima à costa do Marrocos, na África, do que propriamente ao continente europeu, que está a 1.350 km de distância. Com muito sol na maior parte do ano, possui paisagens vulcânicas, largas extensões de dunas e mais de 150 praias. Fuerteventura tem seu próprio aeroporto e o turismo como atividade principal. Recentemente um segmento turístico tem movimentado e levado polpudas receitas a esta que é a segunda maior ilha das Canárias: o cineturismo, ou turismo cinematográfico (como designa a Ancine), ou film induced tourism (como se diz nos EUA).

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Exodus

As paisagens de Fuerteventura podem ser vistas nas telas do mundo todo através da recém-lançada superprodução Êxodo – Deuses e Reis, épico dirigido por Ridley Scott. Baseado no Antigo Testamento, conta a história do profeta Moisés (Christian Bale) e as passagens bíblicas sobre sua relação com o faraó do Egito, Ramsés (Joel Edgerton), a fuga do povo hebreu, travessia do Mar Vermelho, etc.

O filme teve grande parte de suas cenas externas rodadas em Almería (no sul da Espanha continental) e Fuerteventura, que também serviu de base para a numerosa equipe ao longo de seis semanas de filmagens. Toda esta operação permitiu ao Estado arrecadar mais de 7 milhões de euros em impostos diretos e indiretos, além de motivar a contratação de 6 mil postos de trabalho, entre operários, carpinteiros, seguranças, catering, etc., além do aluguel de  centenas de veículos, como caminhões, vans, e também cavalos, cabras e até elefantes.

Cerca de 30 mil pernoites contratados em hotéis para 950 trabalhadores, entre os quais, 450 componentes da equipe técnica e artística, 70 empresas contratadas, 651 figurantes (que foram transformados em multidões de mais de 20 mil pessoas através da mágica da computação gráfica).

Cena do filme Êxodo - Deuses e Reis

Cena do filme Êxodo – Deuses e Reis

 

Diário de produção

A designer gráfica Marina Entero mora em Fuerteventura e foi uma das 150 pessoas contratadas como motorista da superprodução que movimentou a ilha. Terminadas as filmagens  (e respeitando cláusulas de confidencialidade), ela resolveu criar um blog onde conta sua experiência ao longo dos intensos dois meses em que conviveu com hebreus, soldados egípcios, gruas, câmeras, medalhões do cinema, efeitos especiais, personagens bíblicos, maquinários e todo o circo de uma megaprodução hollywoodiana.

Limpo e bem organizado, o blog Making of Exodus em Fuerteventura apresenta as locações na ilha, notícias sobre o filme veiculadas na imprensa espanhola e também diversos aspectos da produção que Marina presenciou. Dia a dia ela comenta e mostra fotos desde o casting, (que era a intenção inicial de Marina), seu primeiro dia no set (já como motorista da equipe), vendo o que parecia ser uma operação de guerra, e diversas cenas que envolvem figurantes e dublês, como esta em uma das estradas da ilha. Há muitas fotos (enviadas também por diversas outras pessoas que participaram da produção).

Marina Entero comenta sobre o set de filmagem:

“Aunque parece que reina un caos absoluto, todo esta coordinado al milímetro, evidentemente esto es el cine y al final del día comprendo que todos los profesionales que tengo a mi alrededor saben en todo momento lo que deben hacer para que las piezas del puzzle al final encajen, pero para una novata como yo, me parece como estar en medio de un Huracán.”

Figurantes se preparam para entrar em cena

Figurantes se preparam para entrar em cena

 

Atrativos da ilha

Além de Exodus, outras grandes produções estiveram na em Fuerteventura há pouco tempo, com a comédia O Ditador, com Sacha Baron Cohen, Megan Fox e Ben Kingsley, e o franco-espanhol Invasor, dirigido por Daniel Calparsoro.

Dentro do tema cineturismo, Fuerteventura é um caso diferente da cidade de Albuquerque, nos EUA, que já foi tema de outro artigo neste blog. Albuquerque não é o que se pode chamar de cidade turística, ainda que tenha lá seus encantos, mas há dez anos iniciou um programa para se tornar um polo de atração para produções de cinema e TV, inclusive com a construção de grandes estúdios. O sucesso da série Breaking Bad atraiu milhares de fãs de todo o mundo e projetaram a cidade.

(Abrindo um parêntesis, o ator Aaron Paul, que teve papel de destaque em Breaking Bad, o Jesse Pinkman, também está no elenco de Êxodo, interpretando o escravo hebreu Josué.)

Fuerteventura, bem como as Ilhas Canárias de um modo geral, já é um destino turístico que descobriu que pode faturar mais e mostrar-se para o mundo ao atrair produções de cinema, séries de TV e filmes publicitários. Tem a seu favor as boas condições climáticas, diversidade de paisagens, tranquilidade, proximidade dos centros europeus e boa estrutura de hotéis e serviços (inclusive aeroporto). O que a ilha espanhola tem em comum com Albuquerque? Uma agressiva oferta de isenções fiscais.

Cena no templo de Sekhmet, em Menfis

Cena no templo de Sekhmet, em Menfis

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E a produção local?

Felipe Afonso, representante da Gran Canaria Film Commission (outra ilha do arquipélago), ressalta que além dos milhões de euros que as produções deixam no local, “outro efeito muito positivo é a criação de postos de trabalho e a geração de uma importante base industrial na ilha em torno da produção audiovisual”.

Por outro lado, os realizadores locais questionam o uso das Ilhas Canárias apenas como cenário, deixando de lado o investimento na produção nativa.

O jornal digital Canarias Ahora publicou uma reportagem colocando os vários pontos de vista em questão.  Na matéria intitulada O ‘boom’ cinematográfico nas Canárias, uma miragem?, Luis Renart, responsável pelo Cluster Audiovisual Canarias, diz que “o que está ocorrendo é um boom de filmagens nas ilhas, e isso é algo muito diferente de um crescimento do cinema feito por realizadores locais”. O cineasta Luis Roca concorda com esta opinião e afirma que “Canarias não está vivendo nenhum boom em seu cinema. No momento trata-se apenas de um set de filmagem muito concorrido, o que não é pouco”.

Outros títulos que brilham na filmografia recente do arquipélago são Velozes e Furiosos (que teve cenas rodadas em Tenerife), Fúria de Titãs e No Coração do Mar, uma adaptação do clássico Moby Dick, que foi filmado, em parte, na pequena ilha de La Gomera.

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O que se questiona é que, além da estrutura física, clima e paisagens, no final das contas o que realmente atrai as produções é a generosa dedução fiscal, que pode chegar a 38% (quando a produção obtém Certificado de Obra Canaria e o investidor tem domicilio fiscal ou estabelecimento permanente nas Ilhas Canárias).

José Carlos Reyes, da produtora Pantalla Canaria, de Tenerife, explica que “muitas empresas do continente vêm para cumprir minimamente com os requisitos e beneficiar-se da dedução fiscal. Fixam um endereço fiscal nas Canárias, mas, na realidade não são daqui. São artifícios que fazem para conseguir as deduções”. Ou seja, ainda que um filme, série ou documentário tenha o selo Obra Canaria, “a intervenção, tanto das produtoras daqui como do talento canário, é mínima”, afirma Luís Renart (Cluster Audiovisual Canarias). Por este motivo deve-se diferenciar claramente entre a bonança que vive Canarias como set de cinema e a situação em que vive o setor audiovisual das Ilhas Canárias. Renart completa:

“é genial que tenhamos a oportunidade de trabalhar com produções de fora, mas onde está o cinema canário? Se não se reforça a rede empresarial local, este vai ser um impacto pontual que se irá se perder. Se não se reforça uma indústria nas Canárias que seja capaz de por estes projetos em curso, quando o incentivo fiscal não for tão atraente, a produção aqui será esvaziada.”

Nesse sentido voltamos a nos referir ao bom exemplo de Albuquerque, que usou (e continua usando) agressivos incentivos fiscais para atrair as produções, mas acrescentou condicionantes para investir também na qualificação profissional e ampliação da gama de serviços voltados para produção audiovisual, além de frequentes estudos de avaliação do projeto e seu retorno em diversas áreas, como: Economia; Setor Social, Desenvolvimento de Negócios Locais, Educação e Treinamento; Turismo.

Em resumo, a simples guerra fiscal é um artificio efêmero, assim com é ineficaz privilegiar apenas uma área, como o turismo ou inclusão social. Para que qualquer projeto obtenha êxito, seja qual o for o setor e local de sua implementação são necessárias: ação continuada e articulação entre os setores envolvidos. Nos sentido inverso, os grandes empecilhos são as interrupções e/ou atrasos no cumprimento do programa e as rixas internas, a falta de articulação e comunicação, até mesmo, entre os componentes da mesma equipe.

 

 

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