Fernanda Tourinho, a nova diretora da FUNCEB – Fundação Cultural do Estado da Bahia, foi a entrevistada da revista Muito, encarte dominical do jornal A Tarde, em sua edição nº 349, de 1 de fevereiro de 2015.

muito_fernandatourinho

Ela fala sobre a cena cultural baiana, a relação estado – agentes culturais – iniciativa privada, além de criticar o desalinhamento entre as Secretarias da Fazenda, da Administração e da Cultura.

Veja entrevista em formato PDF (1,4 Mb) ou em formato texto.
Reportagem: Eron rezende, Fotos: Fernando Vivas

No dia 2 de fevereiro, a nova diretora postou uma observação sobre um erro no parágrafo em que fala sobre o contingenciamento de recursos:

Dei minha primeira entrevista como diretora da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb) à Revista Muito do Jornal A Tarde na segunda semana de trabalho. Agradeço ao jornalista Eron Rezende pelo interesse. Não deve ter sido fácil editar quase uma hora de conversa. Peço licença, entretanto, para colocar um “não” que é fundamental para que a minha frase faça sentido:
“Na minha pauta também está o esforço no diálogo entre a Secult e a Sefaz para que novos contingenciamentos NÃO aconteçam.”
Na verdade, se eu pudesse ter escolhido a frase de destaque para o “abre aspas” seria: “O contingenciamento de recursos na pasta que tem 0,7% do orçamento do Estado é desigual e injusto”.

Entrevista completa publicada na revista Muito nº 349:

muito_fernandatourinho2

O gabinete de Fernanda Tourinho, 53, ainda está repleto de livros, agendas e papéis que dão conta de suas novas atribuições. “Permaneço no período de estudos”, diz ela, prestes a completar seu primeiro mês como diretora da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). Ex-administradora e produtora do Balé Teatro Castro Alves e diretora do Teatro Jorge Amado desde a sua criação, em 1997, até dezembro de 2014, Fernanda substituiu a curadora Nehle Franke à frente do principal órgão ligado à Secretaria de Cultura da Bahia – “uma fundação com importância de ministério”, como ela alcunha. A nova diretora assume uma Funceb com pagamento de editais atrasados e uma coleção de críticas em relação à “interiorização” das ações do órgão, acusado de minguar os recursos para a arte profissional baiana. “O processo de pensar toda a Bahia, através de sua identidade plural e complexa, é irreversível”, diz. Nesta entrevista, Fernanda fala sobre os desafios de sua gestão, as fragilidades da cena cultural baiana e a política dos editais.

Como a senhora avalia a atual cena cultural na Bahia?
Sempre achei riquíssima. Vejo a cena com um potencial incrivelmente criativo e desbravador. Mas as pessoas que têm essa vontade são as mesmas que não encontram o respaldo financeiro – ora porque é difícil ter esse respaldo, ora porque  não se apropriam dos instrumentos para isso. E não há nada, agora, que se possa fazer sem dinheiro. Há 20 anos, até dava. Mas as coisas foram ficando cada vez mais profissionalizadas. E tem artista que, ainda hoje, atua como produtor sem conhecer muito bem o papel de um produtor. A profissionalização exige domínio de novos instrumentos.

O teatro profissional baiano é um dos setores que mais tem criticado as últimas gestões da Funceb. A nomeação da senhora, que há 20 anos dedica-se à produção teatral, pode ser encarada como uma resposta a essa demanda?
Não. Eu sempre me coloquei como uma pessoa que tem um diálogo grande com todos os segmentos. Nós temos um Estado muito grande, não dá para  só pensar no que é feito em Salvador. Claro que o teatro que acontece na capital tem uma força maior e isso faz dele um segmento que não pode ser desprestigiado. Mas é preciso que essas mesmas pessoas que têm criticado a Funceb venham participar da construção de uma política que, ao mesmo tempo em que dê continuidade ao trabalho que foi feito nos últimos anos – de envolver todo o Estado, de ir até o interior -, não desmereça a importância do que já está consolidado.

Mas uma crítica recorrente da classe artística é essa, a de que o governo do Estado é o grande promotor de eventos.  Hoje, o principal instrumento de financiamento da cultura baiana são os editais do Fundo de Cultura. Não há uma excessiva dependência, por parte de artistas e produtores locais, dos editais?
Em termos, sim. Um dos pontos que não caminharam muito bem foi o do Estado como uma ponte entre agentes culturais e a iniciativa privada. Essa perna está quebrada. É preciso que o Estado tenha uma função de fomentador, que contribua para colocar mais empresas dentro do circuito, fazendo com que, de fato, os artistas possam ter acesso a essas empresas. Na Bahia, as portas das empresas estão fechadas. Não foi feito um trabalho mais eficaz para que essas empresas entendam e participem da cultura.

Como promover essa inclusão?
Os editais representam um funil que deixa todos insatisfeitos, porque gera uma sensação de impotência -se você não passa num edital, você sabe que seu caminho será inglório. Ainda assim, pouco foi investido num diálogo com os empresários. O Estado precisa promover essa conversa. O empresário precisa ser chamado a esse jogo como cidadão. O bem comum – a ideia de que é preciso investir em desenvolvimento cultural para se viver num lugar melhor – não pode ser apenas algo do artista ou governo. O empresário também tem que entender do bem comum. Se ele só pensa no retorno financeiro imediato ao apoiar um produto, ele está sendo rasteiro.

No relatório da última gestão da Funceb, eventos gratuitos são apontados como fundamentais para a manutenção da cena cultural. Num momento em que tanto se fala da necessidade de criação de um mercado, a gratuidade aos produtos culturais não é um contrassenso?
Depende do contexto. O Domingo no TCA é um projeto quase gratuito que tem uma resposta maravilhosa porque há um trabalho para que aquilo, de fato, dê certo. Mas existem diversos projetos que, embora gratuitos, não atraem público. Achar que um ingresso gratuito vai trazer o público é um pensamento que não é verdadeiro.  Dizer que as pessoas vão querer prestigiar um evento gratuito, mas que não trabalhou um público específico, é mentira. E sou contra que o Estado diga que um produtor tenha que fazer um evento de graça, porque existem muitas mentiras aí: o dinheiro que é dado para a realização do evento não é, muitas vezes, suficiente para pagar todos os custos a ponto de se prescindir da bilheteria. O discurso de formação de plateia, puro e simples, sem estar ajustado dentro da cadeia, dentro do mercado, não é verdadeiro.

Quando será entregue o Novo TCA?
A primeira etapa será entregue no final do primeiro semestre deste ano. O Novo TCA prevê uma grande requalificação e ampliação do complexo. A intenção é criar um grande centro cultural. Tudo indica que isso mudará até a relação do TCA com a Funceb. Acredito que o TCA será também uma fundação. A infraestrutura de hoje não vai dar conta do Novo TCA; essa reforma vai demandar um olhar mais complexo da Secult e do governo  em relação ao TCA.

A Bahia tem a primeira escola de dança do país, mas não uma companhia reconhecida com as de São Paulo e Minas . Por que o Balé Do Teatro Castro Alves, mantido com a infaestrutura do Estado, ainda não conseguiu cumprir esse papel?
(pausa) Eu acho que por conta dos recursos. Mesmo na época em que o BTCA tinha um projeção maior, quem levava o BTCA para apresentações fora da Bahia era o pessoal que tinha grandes produtoras. O Balé, por si só, não conseguiria fazer isso. Por outro lado, a Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba) já se articulou com uma proposta para ser uma Organização Social e, assim, facilitar a captação de seus recursos. Esse pode ser também um caminho para o  BTCA. Além disso, a oxigenação dos grupos é necessária. O Estado precisa de concursos. O BTCA  não se renova com a frequência necessária.

Transições podem ser ruidosas ou não. Como a herança de sua antecessora, Nehle Franke, soa para a senhora?
Soa como algo positivo. Alguns pontos devem ser repensados, mas os últimos quatro anos soam como uma herança positiva.

O que precisa ser repensado?
O atraso no pagamento dos editais é um negócio que mata qualquer ação. É preciso que a Secretaria da Fazenda, da Administração e da Cultura estejam mais afinadas. É preciso que as outras secretarias entendam que a Cultura já sofre demais por ter o menor orçamento. O contingenciamento já é constante, então, quando ele chega, chega duplamente para a cultura. Se a Funceb não consegue organizar as suas contas, isso se torna uma bola de neve. É preciso que o governador  fortaleça o secretário Jorge (Portugal), para que o secretário Jorge converse, de igual para igual, com o secretário da fazenda (Manoel Vitório).

Mesmo com as pendências de 2014, os editais deste ano estão mantidos?
Os editais estão mantidos na pauta da Funceb. Na minha pauta, também  está o esforço no diálogo entre a Secult e a Sefaz para que novos contingenciamentos não aconteçam.

Os mesmos coordenadores serão mantidos na nova equipe da Funceb?
Haverá algumas mudanças. A primeira é o novo comando do Centro de Formação em Artes (CFA), que agora será da (socióloga) Marle Macedo. A outra mudança acontecerá na Diretoria das Artes (Dirart), que coordena as linguagens artísticas. Eu convidei Vadinha Moura (atriz e ex-diretora do Teatro Cidade do Saber) para assumir a Dirart. Há uma mudança, também, no BTCA, que voltará a ter um diretor, Antrifo Sanches (ex-bailarino da BTCA).

Daqui a 11 dias terá início o Carnaval, um megaevento que permanece lucrativo apenas para blocos e hotéis. É possível estabelecer uma aproximação entre essa festa e as outras culturas da Bahia?
Eu vislumbro um equilíbrio. Se o Carnaval é uma grande vitrine que alimenta os blocos, ela pode ser uma vitrine que alimenta outros campos da cultura. Mas a vitrine está onde as pessoas estão. Então, só quem pode criar uma nova vitrine dentro do Carnaval são as pessoas. Você sai no Carnaval e encontra todo mundo reclamando, às vezes saudoso, mas ninguém propõe. Se o artista ou produtor torce o nariz para o Carnaval – porque acha que ficou comercial demais, porque acha que isso lhes diz respeito – nada mudará.

 

 

0

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.