Entrevista da cineasta Paula Gomes publicada no Caderno 2 do jornal A Tarde em 2 de abril/ 2016, onde ela  fala sobre o filme Jonas e o Circo Sem Lona.


 

ENTREVISTA
Paula Gomes, cineasta

CADA UM LEVA NO PEITO O SEU PRÓPRIO ‘CIRCO’”

RAFAEL CARVALHO
Especial para A TARDE
Salvador 2/4/2016

Nesse mês de março em que se comemora o circo e o teatro, uma produção baiana ganhou destaque no circuito de festivais de cinema. É o documentário Jonas e o Circo Sem Lona, dirigido por Paula Gomes e produzido pelo Plano3 Filmes. O longa foi selecionado para a mostra competitiva do Festival É Tudo Verdade, única produção
baiana a ser apresentada em todo o evento, que acontece de 7 a 17 de abril, em São Paulo e no Rio de Janeiro. O filme também recebeu o Prêmio do Público do Festival Cinélatino Reencontres de Toulouse (França), depois de ter estreado mundialmente no prestigioso IDFA (International Documentary Film Festival Amsterdam). O filme acompanha o crescimento de Jonas, de 13 anos, que sonha em manter vivo o circo que ele mesmo criou no quintal de sua casa. A diretora Paula Gomes conversou com A TARDE sobre o filme.

 

Como você conheceu o Jonas e como surgiu a ideia de fazer um filme sobre esse momento da vida dele? Ele já vivia na região metropolitana de Salvador?

Em 2006, eu fiz junto com meu coletivo, Plano 3 Filmes, uma viagem para visitar
três circos itinerantes perto de Salvador. Nós estávamos nos preparando para filmar um curta de ficção, que tinha um circo como cenário. A ideia era visitar três circos num fim de semana. Mas as histórias e os personagens que fomos encontrando eram tão fascinantes que acabamos visitando 35 circos na Bahia e em Sergipe. Foi nessa viagem que eu conheci a família de Jonas e estabelecemos um forte laço de amizade. Jonas era pequenininho na época. Desde então, eu o vi crescer. O tempo passou, parte de sua família saiu do circo e se estabeleceu em Dias D’Ávila, na Região Metropolitana de Salvador. Mas Jonas nunca se adaptou à rotina de morar ali. Então ele criou o seu próprio circo – um circo de verdade – no quintal de casa. Um dia, ele me telefonou, me convidando para assistir a um espetáculo do seu circo.

Jonas e a equipe do documentário "Jonas e o Circo Sem Lona". Foto: A Tarde

Jonas e a equipe do documentário “Jonas e o Circo Sem Lona”.
Foto: Adilton Venegerole | A Tarde

 

E como foi essa primeira experiência?

Quando encontrei aquele circo armado no quintal identifiquei ali um espelho dos meus próprios sonhos. Acho que cada um leva no peito o seu próprio “circo”. O meu circo é o cinema. E naquele encontro, entre eu e Jonas, entre o cinema pra mim e o circo pra ele, sabia imediatamente que tinha um filme. Só não sabia que filme era esse. Enquanto desenvolvia o argumento do roteiro, compartilhando momentos com Jonas ou em laboratórios por onde nós passamos, como o Doc-Montevideo ou o Tribeca Industry Meetings, eu fui descobrindo que aquele filme, através do circo de Jonas, falava sobre o fim da infância, refletindo sobre o que fazemos com nossos sonhos quando crescemos.

Como foi trabalhar com o garoto e sua comunidade? Houve algum tipo de resistência inicial ou dificuldade ao se aproximar dele e do seu universo?

Não houve nenhum tipo de resistência, pois a família de Jonas é também como uma família para mim e para a equipe. Durante as filmagens, nós nos hospedamos na casa deles e compartilhamos de sua rotina, o que ajudou a construir um ambiente muito íntimo, que foi decisivo para que o filme acontecesse. A experiência de realizar um documentário é sempre muito forte porque a filmagem termina, o corte final fica pronto, mas o vínculo, a experiência que foi compartilhada naquele tempo em que você esteve ali tão perto dos personagens, vendo eles crescerem, temerem, amadurecerem, e crescer, temer e amadurecer junto com eles, isso não tem fim. É muito bonito, especial e fortaleceu ainda mais a minha relação com Jonas e sua família.

circo-jonas-cartazNo contexto da produção atual, ficção e documentário estão cada vez mais entrecruzados. Que tipo de proposta encontramos em Jonas e o Circo sem Lona?

Eu não acredito nessa proposta de não-interferência, de documentário “puro”, porque filmar pressupõe interferir – na rotina, nas expectativas, nas relações. E isso de fato não me parece errado,é parte do pacto que se estabelece entre quem filma e quem é filmado. Acho mais sincero e filmicamente mais interessante também, assumir que aquela equipe está ali, que aquele diretor está ali, e que sua presença está interferindo naquela realidade. O filme só existe porque antes do filme existiu o encontro.

As crianças de hoje vão pouco ao circo, mas ele ainda resiste como espaço de imaginação e fantasia. Como você enxerga esse fenômeno?

Acho que as crianças da capital é que vão pouco ao circo hoje. Porque nos povoados, nas zonas rurais desse Nordeste, as velhas arquibancadas de madeira ainda estão lotadas. E o circo, apesar de sua lona rasgada, seus trailers de pintura gasta, acaba cumprindo um papel muito importante em localidades onde não existem teatros, cinemas, ou outros centros culturais.

Como você quis retratar o circo no filme?

Para mim, o circo de Jonas no quintal traz muito desse circo itinerante nordestino; que é o circo onde ele nasceu. E eu quis retratá-lo exatamente assim, comesse ar de improviso, sem interferir no cenário que Jonas e seus amigos montaram com o que sobrou do antigo circo de sua família. Para mim, o circo de Jonas é sim a representação do sonho, da imaginação, da infância.

O circo é visto no cinema geralmente como grande espetáculo, cheio de recursos e apelos visuais. Mas a impressão é de que o circo de Jonas é mais artesanal, mais íntimo. Como foi respeitar e ao mesmo tempo reverenciar o circo no filme?

Para Jonas o seu circo não era intimista. Dentro do seu universo, aquele cirquinho no quintal era o maior espetáculo da terra. Ele fazia publicidade, cobrava entradas, melhorava os números para ter público. E nós filmávamos o circo como ele ia nos apresentando. O nosso intuito era, através do circo, falar sobre a infância e a capacidade de não desistir de sonhar.

O filme participou há poucos dias do Festival de Toulouse e recebeu o Prêmio do Público. Como foi a experiência?

A participação no Festival de Toulouse foi muito bonita; o filme foi recebido com muito carinho. E o Prêmio do Público é para mim a premiação máxima que um diretor e uma equipe podem receber, pois dá sentido a todo o trabalho de roteiro, de desenvolvimento de histórias que nos atravessam de forma muito pessoal, mas que ao mesmo tempo têm potencial para serem universais, para tocar o outro também.

Existe algum novo projeto que você esteja desenvolvendo agora?

Estamos começando a pré-produção do novo projeto do nosso coletivo, longa de ficção Filho de Boi, que foi contemplado no Edital Setorial Audiovisual da Bahia. Já iniciamos os testes de elenco no sertão e em junho começamos as filmagens.

 

 

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