Matéria de capa do Caderno 2+, publicada no jornal A Tarde em 28/09/2017, sobre o falecimento de Guido Araújo.
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Fim de jornada

PERDA
Guido Araújo, ícone baiano do chamado “cinema de resistência”, morre aos 83 anos. A TARDE relembra trajetória marcante.

Chico Castro Jr.

Um dos maiores guerreiros do cinema baiano se foi na manhã de ontem: Guido Araújo, idealizador das Jornadas Internacionais de Cinema da Bahia e documentarista, morreu internado no Hospital Português, de causas não reveladas.

Um dos últimos remanescentes de uma geração aguerrida, Guido tinha 83 anos e foi de importância fundamental para o cinema não só baiano, mas também brasileiro.

Em 1972, em plena vigência do famigerado AI-5, Guido realizou a primeira Jornada de Cinema da Bahia, que ainda não era “Internacional”, mas tinha perfil francamente de esquerda, trazendo sempre filmes de conteúdo social, documentários, muitos deles de países do bloco socialista ou de países do Terceiro Mundo – América do Sul e África, principalmente.

“Guido era uma figura emblemática. Saiu da Bahia antes do golpe (de 1964) e voltou no período do AI-5, mesmo sendo do Partidão. E certamente sabia negociar, porque a ditadura aceitou ele fazendo a Jornada todo ano”, observa o jornalista e articulista de A TARDE Raul Moreira, que também milita na seara cinematográfica.

“Ele foi um lutador para que a Sétima Arte se desenvolvesse no Brasil. Trabalhou muito pela Jornada, trabalhou no Rio de Janeiro, no primeiro filme do Nélson Pereira dos Santos, o clássico Rio 40 Graus, estudou fora do país (na então Tchecoslováquia ), voltou, aplicou o que aprendeu aqui.Sempre lutou pelo cinema, foi um cara que fez tudo mesmo pelo cinema”, afirma Roque Araújo, cineasta contemporâneo de Guido, cameraman dos primeiros filmes de Glauber Rocha.

A menina dos olhos, a Jornada, com os anos acabou se tornando cada vez mais difícil de ser realizada, pela falta de recursos. “Guido usava o cinema com instrumento de combate, e a Jornada era isso. Então, ele se apegou muito. Apesar de todos os problemas, aquilo era a vida dele. Ele sofreu muito por isso no fim da vida, se sentiu abandonado”, relata Raul.

“Ele lutou pela redemocratização e, quando chegou um governo de esquerda na Bahia (Jaques Wagner, em 2006), a Jornada foi deixada de lado. Muita gente alegava que estava obsoleta, que era coisa do passado. Mas Guido foi um cara importante. Assim como Walter da Silveira, ele elevou a Bahia. A respeitabilidade dele lá fora, entre cineastas alternativos, é enorme. Esse Brasil chora por Guido”, diz Raul.

Guido em série
Cineasta premiado nacionalmente pelo documentário Samba Riachão (2001), Jorge Alfredo conhecia Guido de longa data, mas não era próximo dele até a premiação do próprio filme no Festival de Brasília. “Guido era aquela figura que estava em todo canto: nos bastidores, na plateia. Era a força da Bahia, vibrando, torcendo pela Bahia. Achei tão bonito, ‘poxa, que figura’. Me chamou a atenção”, lembra.

Mas ainda não foi ali que ficaram amigos. Editor da revista on line Caderno de Cinema (cadernodecinema.com.br), Jorge chamou Guido para escrever um artigo em 2013. “Foi aí que ele veio com o choque sobre o final da Jornada de Cinema. Todos ficaram perplexos, não podemos nos dar ao luxo de jogar para escanteio um evento de 40 anos. Procurei Guido para saber mais, aí vi que não tinha mais condição nenhuma mesmo”, lamenta.

Jorge Alfredo ficou incomodado com aquilo, remoendo, quando resolveu fazer um documentário sobre o próprio Guido. “Eu disse: ‘topa fazer um doc?’. Ele topou na hora. Aí começamos um namoro: toda sexta de manhã eu ia lá e ele vinha cheio de papel, documentos, fotos, fitas Betacam. Percebi que, mais do que esse agitador cultural, ele era também um puta cineasta, mas que deixou a obra em terceiro, quarto plano. Era tudo em prol da Jornada”, relata.

Inscrito em editais da Secult-BA, Jorge acabou conseguindo duas belas realizações com Guido. A primeira foi a Mostra Guido Araújo, em 2015, que exibiu documentários em Salvador, Cachoeira, Ilhéus, Mucuri e Inhambupe.

A segunda e maior realização foi a minissérie em cinco capítulos para a TVE Bahia, O Senhor das Jornadas, exibida em junho último. “Nesse processo todo, passou muito afeto. Aprendi muito com ele. Guido tinha um abraço muito largo, foi importante para muita gente, para a animação, para os curta-metragens e documentários”, afirma Jorge.

“De Sílvio Tendler a Edgar Navarro, Nélson (Pereira dos Santos), todo mundo fala que ele foi exemplo mesmo. Era muito personalista também. Isso aos olhos da nova geração era um defeito, porque ele sempre quis fazer a Jornada daquele jeito e pronto. Mas isso é que era genial: era um espaço diferenciado”, diz.

Professor
Cineasta, diretor de filmes como o documentário Rogério Duarte, o Tropikaoslista, Walter Lima também lamentou a saída de cena de Guido.  “É uma perda enorme para a Bahia e o cinema brasileiro. Guido Araújo foi uma pessoa muito importante para o cinema baiano, ao dar prosseguimento ao trabalho de Walter da Silveira, com a Jornada e os cursos de cinema”, afirma o colega.

“Ele teve papel importante na formação de uma geração: Edgar Navarro, Pola Ribeiro, esse pessoal que veio após a morte do Walter [em 1970]. Como realizador deixou uma obra pequena, mas como professor e animador cultural foi importantíssimo”, opina.

A cerimônia de cremação está prevista para hoje, no Cemitério Jardim da Saudade (Brotas), às 10 horas.


Correio*
Aos 83 anos, morre o cineasta baiano Guido Araújo
www.correio24horas.com.br/noticia/nid/aos-83-anos-morre-o-cineasta-baiano-guido-araujo

Estadão | Luiz Zanin
O adeus a Guido Araújo
http://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/o-adeus-a-guido-araujo/

G1 Bahia
Morre em Salvador o cineasta Guido Araújo
https://g1.globo.com/bahia/noticia/morre-em-salvador-o-cineasta-guido-araujo.ghtml

UFBa em Pauta
A Bahia se despede do Professor Emérito da UFBA Guido Araujo
www.ufba.br/noticias/bahia-se-despede-do-professor-em%C3%A9rito-da-ufba-guido-araujo

R7 Bahia
Aos 83 anos, morre o cineasta baiano Guido Araujo em Salvador
http://noticias.r7.com/bahia/aos-83-anos-morre-o-cineasta-baiano-guido-araujo-em-salvador-27092017

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