Matéria escrita por Antônio Moreno e publicada na revista Cinemin nº 24, de junho/ 1986 – Editora EBAL

Dando sequência a esta série de artigos escritos por Antônio Moreno em meados dos anos 80 sobre a história da animação, é especialmente interessante trazer agora a parte em que ele fala sobre a história da animação no Brasil, iniciada com O Kaiser/1917, do cartunista Seth (Álvaro Marins), passando pelos anos 50, 70, até as peças publicitárias e curtas realizados através da parceria com o Canadá, além dos longas da Turma da Mônica.

“O Kaiser” é o marco zero da animação brasileira. Realizado em 1917 pelo caricaturista fluminense Álvaro Marins, a charge animada era uma alusão clara ao contexto geopolítico internacional daquela época, às sombras de uma guerra mundial. Por falta de preservação adequada o filme foi perdido, e tudo o que sobrou foi uma imagem de referência da obra.

Em 2013 o documentário ‘Luz Anima Ação”, uma produção IDEOgraph dirigida por Eduardo Calvet, convidou oito grandes nomes da animação brasileira a recriar essa obra pioneira em um trabalho coletivo que mistura diversas técnicas de animação. O resultado é um trabalho denso, reflexivo e metalinguístico único, que reflete bem a diversidade da animação feita no Brasil.

Animação coletiva realizada por:
Marcelo Marão – animação 2D tradicional
Zé Brandão – animação vetorial
Pedro Iuá – stop motion
Stil – animação em papel sulfite
Rosana Urbes – metalinguagem 2D
Diego Akel – pixilation e pintura no tempo
Marcos Magalhães – animação em película
Fabio Yamaji – light painting


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Do Kaiser ao Menino

Resgato este artigo de Antônio Moreno em 28/fev de 2016, quase trinta anos após sua publicação na revista Cinemin. Nestas três décadas o cinema brasileiro, e em especial a animação, passou por momentos de baixa e depois seguiu numa curva ascendente. Hoje o longa de animação O Menino e o Mundo, de Alê Abreu é um dos cinco indicados ao Oscar de Melhor Animação. Ainda que se desdenhe o tal do Oscar, já que é uma festa bem particular da indústria dos EUA e que tenha o foco muito mais no comércio do que na arte do cinema; ou seja, ainda que preferencialmente os vencedores do tal do Oscar sejam norte-americanos e que sejam premiados os que vendem mais, ou os que apresentam maior potencial de venda, os que possibilitem abertura de novos mercados, seja através da técnica utilizada ou da temática que possa gerar negócios em determinado segmento de público. Ainda que o Festival de Annecy, na França, seja de fato o mais importante da animação em termos artísticos (O Menino e O Mundo foi o vencedor em 2014, e outro brasileiro, Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi, venceu em 2013).  Ainda assim, a animação brasileira chegar à finalíssima do Oscar é um fato importantíssimo pela visibilidade planetária do evento. Não apenas pelo reconhecimento internacional, mas, principalmente, pelo reconhecimento aqui mesmo em seu próprio país.

Fausto Junior

(Veja artigo de João Carlos Sampaio sobre O Menino e o Mundo publicado em jan/2014).


 

Segue texto de Antônio Moreno. Clique na imagem para ver a versão em PDF, com outras fotos da publicação original da revista Cinemin.

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Cinema de Animação Brasileiro – parte 1

Artigo de Antônio Moreno (jun/1986)

O cinema de animação encantou seguidas gerações, principalmente com a criação de uma de suas modalidades: a do desenho animado. Quem não se emo­cionou com a morte de Pinóquio, assis­tida por João Grilo, no filme de mesmo nome (Pinocchio/1939), produção imortal dos estúdios de Walt Disney; ou ain­da com a leveza e ternura de Branca de Neve e os Sete Anões/1937, também de Disney; ou ainda, com as produções mais recentes, como as de René Laloux, da França, com seus cenários fantásticos e personagens curiosos de O Garoto do Espaço/ Les Maitres du Temps, ou os de seu filme anterior, e o mais conhecido no Brasil, O Planeta Selvagem/ Le Planete Sauvage, com brilhantes histórias da ficção científica moderna; ou ainda com as produções de vanguarda dos Estados Unidos, como Heavy Metal, onde a gran­de estrela é o som do Rock, ou Pínk Floyd, O Muro/The Wall, nas suas delirantes seqüências em animação; e, recentemente, a produção mais aprimo­rada de Disney em efeitos especiais, O Caldeirão Mágico/ The Black Cauldron; e a produção brasileira, sobretudo pela veiculação na televisão de Meow, de Marcos Magalhães, O Planeta Terra, coordenado também por Marcos, e, As Aventuras da Turma da Mônica, nos de­senhos de Maurício de Sousa?

Meow, de Marcos Magalhães (1981) — premiado em Cannes

Meow, de Marcos Magalhães (1981) — premiado em Cannes

 

Apesar de contar com a grande simpatia do público, adulto e infantil, os filmes de animação brasileiros somente intensificaram a sua produção a partir dos anos 70, sobretudo os de curta-me­tragem. E isto se deu pelo surgimento, em 1968 e 1969, de um grupo de aman­tes dos Cinema de Animação, o Grupo Fotograma, que, nas programações da Cinemateca do Museu de Arte Moder­na do Rio de Janeiro, colocou um gran­de público em contato com as diversas criações do cinema animado, como os filmes de bonecos animados, ou ainda de recortes, de massa de modelar, de areia, de cristal, e outras formas de ani­mação de países como Canadá, França, Inglaterra, e sobretudo com a diversidade da criação e multiplicidade de temas dos filmes dos países do Leste europeu: Po­lônia, Iugoslávia, Tcheco-Eslováquia, Hungria, Romênia, e as produções da União Soviética.

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Tanto os temas como as formas de realização influenciaram o imaginário dos cineastas brasileiros que, a partir de então, intensificam a realização de filmes curtos, como Batuque/1969, de Stil, que, para driblar o problema econômico, era desenhado em papel de pão — os cro­quis, traçados com canetas hidrocor, dan­çavam antropofagicamente a música ho­mônima de Lorenzo Fernandez; Ícaro e Labirinto/1975, de Antônio Moreno, adaptação da lenda grega de Ícaro; Papo de Anjo/1975, de José Rubens Siqueira, uma viagem pelo interior do cérebro de um anjo, a partir de sua orelha; os três no campo do curta metragem, enquanto evoluíam criações de outros artistas, so­bretudo nos filmes de propaganda, onde destaque fica, sem sombra de dúvida, com Walbercy Camargo e suas deliran­tes imagens nos anúncios para a Sharp e Levis; até chegar, tempos depois, ao sucesso de Meow, de Marcos Magalhães, em Cannes, e grande popularidade no Brasil, além da concretização de uma linha de filmes animados de longa-me­tragem dos estúdios de Maurício de Sou­za, As Aventuras da Turma da Mônica, onde desfilam Bidu, Cebolinha e toda sua galeria de personagens, até o mais recente Os Trapalhões no Rabo do Co­meta, onde é utilizada a técnica de ação ao vivo (com atores ) e desenho anima­do, alcançando, assim, além da simpatia do público, boa fatia do mercado brasi­leiro de filmes infanto-juvenis, área tra­dicionalmente ocupada pela produções americanas.

O Kaiser, de Seth, 1917/, primeiro desenho animado brasileiro.

O Kaiser, de Seth (1917), primeiro desenho animado brasileiro. Na imagem, caricatura do ex-presidente Nilo Peçanha.

A trajetória dos filmes animados brasileiros, até alcançar o atual estágio de popularidade e mercado, foi muito lenta e com criações muito escassas, apesar dela se inaugurar com O Kaiser/1917, desenho animado de Seth (Álvaro Marins ), cartunista famoso dos jornais cariocas, que satirizava Guilherme II, para quem as atenções se voltavam, durante a Primeira Guerra Mundial — ele aparecia diante de um globo terrestre colocando um capacete sobre ele e tentava abraçá-lo. Noutra seqüência, aparecia o ex-Presidente Nilo Peçanha, que explodia numa gargalhada crescente acompanhando de desenhos em progressão.

Curiosos são os anúncios e matérias, daquela época, sobre o problema de exibição de shorts nacionais, ou seja, os mesmos de hoje, já invadidos pelos americanos, que podem ser encontrados em exemplares do jornal A Noite, editado na época.

E isto certamente teve como causa o não incentivo a novas produções de shorts animados, porque, como veremos, as criações que se seguem são tão distantes, que logicamente contribuíram para a não formação de uma escola ou traço marcante dos filmes brasileiros de animação. Assim temos, Traquinices de Chiquínho e Seu Inseparável Amigo Jagunço/1917, da produtora Kirs Filme, sem indicar autor, com os personagens dos quadrinhos da revista O Tico-Tico, do inglês Outeault, posteriormente redese­nhados pelos brasileiros Loureiro e Stor­ni; As Aventuras de Billie e Bolle/1918, SP, da Rossi Film, desenhos de Eugênio Fonseca Filho, fotografia de Gilberto Rossi; além de alguns anúncios de Seth, com a hilária mulata Virgulina venden­do remédios, teremos, somente em 1928, uma pequena seqüência animada no fil­me de Luiz de Barros, Operação do Es­tômago, apenas explicando graficamen­te, para, em 1933, Macaco Bonito, de­senho animado de Seel/Stamato, voltar à produção de curta-metragem, que ime­diatamente desaparece.

Macaco Bonito, de­senho animado de Seel e Stamato

Macaco Bonito, de­senho animado de Seel e Stamato

 

Surge novamente, em 1938, com dois filmes curtos do famoso cari­caturista Luís Sá, As Aventuras de Vir­gulino e Virgulino Apanha. Luís Sá, com seus bonecos redondos, depois conside­rados underground, foi frustrado ao ten­tar mostrá-los a Walt Disney, quando de sua estada aqui, em plena campanha da “Política da Boa Vizinhança”, impedido pelo DIP – Departamento de Im­prensa e Propaganda do Estado Novo de Getúlio Vargas. E estes filmes tiveram um trágico fim, pois Luis Sá vendeu-os ao dono de uma loja de projetores cinematográficos, que os par­tiu em vários pedacinhos e os ofereceu como “brinde” aos fregueses. Reflexo claro do que deixou a “Política da Boa Vizinhança” em termos culturais para os latinos-americanos — ou seja, ela foi substituída pela cultura americana, que, na época, criava famosos personagens latinos, como o Zé Carioca, presente em filmes como Você já Foi à Bahía?/Los Tres Caballeros/1944 e Alô, Amigos!/ Saludos Amigos/1943, bem dentro do espírito da “Política da Boa Vizinhança”.

As Aventras de Virgulino (1938), de Luís Sá.

As Aventras de Virgulino (1938), de Luís Sá.

 

Nas décadas de 40 e 50, o que vemos na produção brasileira é uma insignificante presença de apenas gráficos explicativos e animados, em filmes técnicos como Grafite/1943, Manganês/ 1943, e em outros dando importância à exploração de minérios (época de grande ati­vidade das companhias americanas), co­mo outros que ressaltavam a importância da industrialização do minério de ferro de Minas Gerais e do carvão de Santa Catarina no desenvolvimento da Usina de Volta Redonda, RJ, para a transfor­mação do aço. Enquanto isso, a criação artística apenas aponta um filme recrea­tivo de bonecos animados, realizado por Humberto Mauro, O Dragãozinho Manso/1942.

O Dragãozinho Manso – Jonjoca
Humberto Mauro – 1942 | P&B

Após a grande luta, São Jorge, ao invés de matar o dragão, resolve levá-lo para casa e ensiná-lo a ficar bonzinho. Depois da conversão o dragãozinho tenta fazer amizade com outros animais e pessoas, mas seus esforços são sempre destruídos por sua aparência. Todos morrem de medo e fogem em disparada na presença de Jonjoca. Em mais uma tentativa frustrada de se incluir na sociedade, o dragãozinho é ferido e procura a ajuda de São Jorge. Em tratamento no castelo, Jonjoca conhece Maria Terezinha, sobrinha de São Jorge que se torna sua primeira amiga. Ainda machucado, o Dragão salva uma criança em perigo e se torna herói. Em recompensa por seu ato de bravura, São Jorge presenteia o dragãozinho com o dom da invisibilidade, assim, ele começa a voar pelo mundo fazendo boas ações, em anonimato, sempre em companhia de Maria Terezinha. Até que um dia, um mágico o transforma em príncipe. Sob essa nova forma, se casa com Maria Terezinha e vai morar com sua amada na lua.

Humberto Mauro e a Animação Brasileira, artigo de Léo Ribeiro

 

A década de 50, na animação brasilei­ra, é marcada pela invasão e até imposição de estilo das produções de Walt Disney. A coisa chegou a tal ponto que governos latinos encomendavam fil­mes aos estúdios americanos. Um dos mais clássicos é o Como nos Livrarmos das Doenças, de Disney, dirigido para a América Latina — demonstrava que o uso de fossas e que a higiene da água e dos alimentos trariam às comunidades rurais maior saúde, evitando-se a proli­feração de insetos transmissores de do­enças. Embora claro e eficiente, o brasi­leiro, numa espécie de protesto, imedia­tamente apelidou o filme de Mais La­trinas Para a América Latina.

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Somente em 1953 surgiria a primeira e verdadeira obra de arte do Cinema de Animação brasileiro, também o primeiro longa, Sinfonia Amazônica, de Anélio Lattini Filho. Trabalho realizado isoladamente por Anélio durante cinco anos, contando, através dos personagens Boto e Curumim, sete lendas brasileiras. A mais bonita (na minha apreciação) é a do “Urutau”, um pássaro que se apaixona pela Lua e que, diante do amor impossível, se põe a chorar, causando as lágrimas cristalinas da Lua, que, ao caírem na Terra, formam o rio­-mar, o Amazonas. Multipremiado, este filme, no entan­to, vai afastar seu criador de novas in­vestidas, pois a distribuição do filme foi tão burlada pelos exibidores nos borde­rôs, que o levou à falência e a se escon­der até hojè atrás da produção de filmes de propaganda. Outra vez mais, o mer­cado destruindo e impedindo o fortale­cimento do cinema animado brasileiro.

Em breve a 2ª parte.

SOBRE O AUTOR

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O realizador e autor do texto, Antônio Moreno (1986).

ANTÔNIO MORENO reali­zou, em 1972, o primeiro curta-metragem, A Raposa e o Passarinho. Desenvolveu seu trabalho mais intensamente no cinema de animação, e também trabalhou em diversos filmes de longa metragem ao vivo, exercendo diversas fun­ções, como assistente de monta­gem em A Estrela Sobe/1974, de Bruno Barreto; ou como assistente de direção nos filmes O Ibrahim do Subúrbio/1976, episódio de Cecil Thiré; Ainda Agarro Essa Vizinha/1973, de Pedro Rovai; Amor Maldito /1983, de Adélia Sampaio, inédito no Rio, entre outros.

Três de seus filmes de curta metragem foram premiados: Re­flexos/1974, em parceria com Stil, recebeu o Troféu Humberto Mauro; Ícaro e o Labirinto/1975, men­ção honrosa no Festival do Jornal do Brasil/1975; e Eclipse/1984, menção especial do júri do Festi­val de Gramado/1985, pelo ousado caráter experimental, e também o prêmio do Concine.

Seus outros títulos são Verdes, ou Favor Não Comer a Grama/ 1976, As Desventuras de Coco Banana/1979, Oxumaré, Serpente e Arco-Íris/1984, documentário ao vivo; De Paciente a Aluno/1983, vídeo, 32 minutos, sobre o progres­so no tratamento de crianças ex­cepcionais; além disso, animação de seqüência para o filme O Pla­neta Terra, realizado em regime de mutirão para homenagear o Ano Internacional da Paz, campanha da ONU, e ainda outros dois bem dentro da linha experimental, Reflexões ou Divagações Sobre um Ponto Duvidoso/1973 e Vão-se os Pais, Ficam os Filhos/1980.

Formado em jornalismo e ci­nema pela Universidade Federal Fluminense, ali leciona a discipli­na Cinema de Animação, no Curso de Cinema. Publicou o livro A Experiência Brasileira no Cinema de Animação; e tem outro, inédito, História do Cinema Brasileiro —1896/1985 — e Suas Relações Com o Poder, para o qual procura apoio para a publicação.

Seu próximo filme será um curta ao vivo, com atores, ainda sem título definitivo. Terminou recentemente, em parceria com José Louzeiro, o roteiro de um longa-metragem que pretende fil­mar, cujo título provisório é Dois Caim.

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