Matéria de Mariana Paiva, com fotos de Mila Cordeiro, para o jornal A Tarde, edição de sábado, 22/fev/2014.

 

Acervo de Walter da Silveira é recuperado depois de 40 anos

Mariana Paiva

Gabinete do Doutor Walter da Silveira

Vista da entrada do gabinete (foto de Mila Cordeiro)

É no primeiro subsolo de um prédio de apartamentos no bairro da Graça que se encontra um dos mais importantes acervos da Bahia. Na porta de madeira, uma placa anuncia em solenes letras maiúsculas: “GABINETE DOUTOR WALTER DA SILVEIRA”.
O lugar, que ficou fechado por 40 anos, foi recuperado recentemente, e teve o precioso acervo do “doutor Walter”, um dos principais críticos de cinema do país, inventariado e catalogado.
O “doutor” vem da militância no Direito Trabalhista, como anunciam os livros à direita de quem entra no gabinete. Mas era assim também que Walter era chamado por Glauber Rocha, uma das presenças constantes no Clube de Cinema da Bahia, iniciativa cineclubista organizada por Walter da Silveira na década de 1950.
Lá, o crítico formou toda uma geração de cineastas, que se encantavam com a sétima arte à medida em que assistiam a grandes filmes do cinema mundial.
Era um tempo de efervescência cultural em Salvador, e Walter exibia filmes que não passavam nos cinemas convencionais, como Os Incompreendidos, de François Truffaut, e Rocco e seus Irmãos, de Luchino Visconti. Foi lá também que Glauber conheceu o cinema soviético e as técnicas de montagem de Eisenstein, que depois influenciariam seus filmes.
Iniciativa
Nascido 15 anos depois da morte de seu avô Walter, Paulo Ivan da Silveira, 28 anos, é quem está à frente do acervo. O projeto, intitulado Acervo Privado Walter da Silveira, foi selecionado num edital da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb).
“O sonho é criar um memorial. Em dezembro concluímos a primeira etapa, que foi de higienização, catalogação e diagnóstico do acervo”, afirma Paulo.
Sua relação com o espaço, entretanto, foi tímida e gradual – mas há quem acredite que foi obra do destino. “Nunca entrei aqui na adolescência. Quando eu tinha 20 anos e comecei a estudar teatro, fui interpretar Glauber Rocha. Fui estudar para o papel e me aproximei da história de meu avô”.
A partir daí, as festas da família na casa da avó, Ivani, passaram a ter outro sentido. Paulo cumprimentava a todos (mesmo que fosse Natal) e corria para o gabinete para descobrir mais sobre Walter da Silveira. Passava horas perdido entre os papéis e livros do avô.
“O que mais gosto no acervo são os manuscritos. Com eles tenho a possibilidade de entrar em contato com meu avô. A letra dele é bem bonita, por sinal. É o que tenho de mais perto dele”, diz.
Raridades
No acervo, Walter mostra que nem somente de cinema vivia o homem. Lá estão provas irrevogáveis de sua convivência com outros homens notáveis: fotografias de Jorge Amado, livros autografados por Vinicius de Moraes e correspondências trocadas com Carlos Drummond de Andrade.
Lá estão também fotogramas de Leão Rosemberg e uma das 150 cópias (especiais para os subscritores) do livro Sonetos e Canções, do poeta Godofredo Filho.
Nos cadernos, Walter anotava impressões sobre os filmes que via e sobre a saudade de casa durante as viagens (sempre acompanhado por dona Ivani, que era caseira, mas gostava de ir junto). As críticas dos filmes, entretanto, nunca ocupavam o verso das folhas pautadas.
Um dos itens mais impressionantes é a correspondência trocada entre Walter e Charles Chaplin, seu ídolo. Por meio de um portador especial, Walter enviou seu livro, Imagem e Roteiro de Charles Chaplin, para o inglês.
“Jorge Amado entregou um exemplar pra Chaplin, que ficou comovido e mandou uma carta por Jorge, que entregou a Guido Araújo, que fez chegar até meu avô”, conta Paulo. Walter respondeu a carta de Chaplin, mas quando a resposta do inglês chegou pela segunda vez, em novembro de 1970, dona Ivani respondeu, contando do falecimento do crítico de cinema.
Lembranças
Walter conseguiu enfim se mudar com a esposa e sete filhos para o apartamento da Graça em 1968. Lá ele morou por dois anos.
“Eu ia sempre encontrar com ele lá, tinha uma biblioteca muito boa. Ele era organizado, um verdadeiro pesquisador”, conta o cineasta José Umberto Dias, que foi aluno de Walter no Grupo Experimental de Cinema em 1968.
O cineasta Guido Araújo também era uma visita frequente. “Quando eu chegava, batia lá no gabinete. Se ele não respondesse, eu ia ao apartamento. Presenciei muito a alegria que ele tinha de estar ali”, conta.

 

Mais informações no blog do Setaro.

Veja versão impressa em formato PDF (1,7 mb)

Fonte: A Tarde – 22.fev.2014

 

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