Matéria publicada em 28 de janeiro de 2017 no Caderno 2+ do jornal A Tarde. O jornalista Rafael Carvalho faz uma retrospectiva da produção de cinema no Brasil (e particularmente na Bahia) em 2017.

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Com alta produtividade, filmes brasileiros continuam na luta para ocupar as telas dos cinemas e conquistar o coração do público pelo país

 

Rafael Carvalho – especial para A Tarde

Apesar da comprovada queda de público para o cinema brasileiro em 2017, segundo estimativas parciais do Observatório do Cinema e Audiovisual (OCA), instituto ligado à Ancine – Agência Nacional do Cinema, os filmes nacionais continuam sendo realizados a todo vapor, oferecendo uma gama diversa de produtos ao público.

Minha Mãe É uma Peça 2: mais de R$ 100 milhões faturados

As comédias continuam sendo o carro chefe dentre os mais vistos, ainda que, em comparação com o ano passado, os números de público tenham caído muito. O maior sucesso de bilheteria em 2017 foi Minha Mãe é uma Peça 2 (que estreou no final de 2016, mas terminou sua carreira nos cinemas este ano), continuação do sucesso de público estrelado pelo comediante Paulo Gustavo.

Mas o circuito de festivais, nacionais e internacionais, continua apostando e apresentando filmes com propostas mais engajadas. Já no início de 2017, o Festival de Berlim recebeu nada menos do que 12 filmes brasileiros, longas e curtas. Dentre eles Joaquim, de Marcelo Gomes, que concorreu ao Urso de Ouro e refaz os passos do icônico Tiradentes antes de se tornar um mártir da Inconfidência Mineira.

Se o Festival de Brasília pode ser considerado hoje como um dos mais importantes do cenário brasileiro, vale destacar o vencedor deste ano, o tocante Arábia, de Affonso Uchoa e João Dumans. O filme é uma espécie de crônica do proletariado ao acompanhar os caminhos de um jovem ex-presidiário em busca de emprego.

Também o curta baiano Mamata, de Marcus Curvelo, integrante do Coletivo Cual, causou forte impacto no público do festival – o filme é hilário –, com as desventuras de um jovem desesperançoso num Brasil sem oportunidades.

Vazante: história sobre escravidão que causou polêmica

POLÊMICAS E REPRESENTATIVIDADE
Ainda no Festival de Brasília uma polêmica envolvendo o filme Vazante ganhou notoriedade. O longa dirigido por Daniela Thomas, já tendo sido apresentado em mostra paralela no Festival de Berlim, chegou ao Brasil e recebeu duras críticas por conta dos problemas de representatividade em torno do protagonismo e subjetividade dos personagens negros.

O filme remonta à época da escravidão na paisagem mineira de decadência das minas de ouro onde um homem tenta formar uma família. O filme acaba sendo um retrato da formação do povo brasileiro e da mistura de raças, violência que atravessa a História do Brasil. Mas o filme peca por investigar somente um dos lados dessa História – o do homem branco rico.

O caso reacende uma discussão vital para o cinema hoje que é o da representatividade e da pluralidade de vozes e narrativas. Há uma emergência de novos sujeitos – negros, mulheres, indígenas – que querem contar suas histórias a partir de seus próprios pontos de vista.

Café com Canela: filme vem ganhando destaque em festivais

E neste mesmo festival, um filme singelo e produzido com muito menos recursos no interior da Bahia, respondeu muito bem a essa demanda. Café com Canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, arrebatou o público ao contar a história do encontro de duas mulheres negras em Cachoeira e São Félix, com tratamento singelo e tão marcado pela cultura do Recôncavo baiano.

 

As Boas Maneiras: filmes de gênero ganham mais espaço

CINEMA DE GÊNERO
Também o cinema de gênero vive um ótimo momento na produção nacional. O longa As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra, competiu no Festival de Locarno e chegou ao Brasil no Festival do Rio, de
onde saiu com o prêmio de melhor filme – também foi o filme de abertura do Panorama Internacional Coisa de Cinema, em Salvador.

A baiana radicada em São Paulo, Gabriela Amaral Almeida, também tem investido por essa seara, e lançou no Panorama o sangrento Animal Cordial. Na trama, um assaltante faz de refém o dono, funcionários e clientes de um restaurante no meio da noite, o que implica um jogo de ódio e vingança.

Também tivemos um ano muito fértil para o documentário brasileiro. Quase 10 anos sem lançar um novo filme, o diretor João Moreira Salles, concluiu No Intenso Agora, que busca investigar os meandros das manifestações populares na China, em Praga, na França e Brasil, em obra ensaística das mais instigantes.

Outro importante documentário lançado em 2017 foi Martírio, encabeçado por Vincent Carelli, ao remontar a trajetória dos povos indígenas Guarani Kaiowá. Já na Bahia, a diretora Paula Gomes lançou o adorável Jonas e o Circo Sem Lona, depois uma carreira incrível por festivais dentro e fora do Brasil.

Jonas e o Circo sem Lona: uma das boas surpresas de 2017. O filme passou por vinte países e recebeu mais de 10 prêmios

 

BOAS NOVAS EM 2018
2018 já começa com ótimos ventos para o cinema brasileiro. Já temos dois filmes selecionados para o Festival de Sundance, nos Estados Unidos – um deles do diretor baiano radicado no Paraná, Aly Muritiba, Ferrugem.

E também no Festival de Berlim mais quatro filmes nacionais já foram confirmados até então na programação, como o longa Unicórnio, de Eduardo Nunes. Além disso, a Mostra de Tiradentes abre o calendário de festivais no Brasil já em janeiro.

Também a Bahia continua sua investida na produção audiovisual para 2018. A coordenadora do NordesteLab e agora diretora da Dimas (Diretoria do Audiovisual), Daniela Fernandes, mostra-se animada com as prospecções para o próximo ano.

“Para a produção, o mercado local vai estar super aquecido por conta dos projetos que já foram aprovados em 2017”, comemora. Ela cita ainda os 43 projetos levados adiante pelo Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb), mais voltado para telefilmes e séries, que vão ser desenvolvidos em 2018. “Vale destacar ainda o trabalho contínuo da Associação de Produtores e Cineastas (APC-BA) ao longo de seis anos, sobretudo no âmbito da política pública”, acrescenta Daniela.

Além disso, outros longas de diretores conhecidos já estão em fase de pós-produção. O casal Cláudio Marques e Marília Hughes está finalizando A Guerra de Algodão, e prepara o lançamento comercial de seu longa anterior, A Cidade do Futuro.

Já a dupla de diretores de Café com Canela, Glenda e Ary, terminou as gravações de seu mais novo longa, chamado Ilha. Como se vê, a produção local tem tudo para fazer de 2018 mais um ano vibrante e positivo para o cinema e o audiovisual.

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