por Fausto Junior
(publicação conjunta com o Caderno de Cinema)

Albuquerque, cidade mediana no estado do Novo México, nos EUA. Se você já ouviu falar, provavelmente é fã ou já viu pelo menos alguns episódios de Breaking Bad, uma das séries de TV mais cultuadas dos últimos anos.

Ao longo de suas cinco temporadas e 62 episódios a série mostra como um pacato professor secundarista transforma-se num traficante de metanfetamina, após receber diagnóstico de câncer no pulmão. Diante da proximidade do fim, Walter White convence a si mesmo que a maneira mais rápida de juntar dinheiro suficiente para prover sua família é usar seu talento como professor de química para produzir a estimulante e altamente viciante droga: os desejados cristais vendidos nas ruas de Albuquerque.

Não vou comentar neste artigo sobre as sofisticações do roteiro, a curva dramática e surpresas ao longo da trama que prendem o espectador até o último capítulo. Tampouco vou mencionar as belíssimas interpretações do elenco, a riqueza dos personagens ou cuidados da produção.

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O assunto aqui é locação

Breaking Bad foi totalmente produzida e filmada na então desconhecida Albuquerque. A casa de Walter White existe exatamente como exibida no seriado (passeie pela rua de Walt na imagem abaixo), assim como a do seu jovem parceiro Jesse Pinkman. O lava-jato existe e funciona mesmo como um lava-jato.

Através do Google Maps pode-se fazer um tour virtual pelas diversas locações da série e constatar o que já dava para perceber ao longo dos episódios: não se pode dizer que é uma cidade bonita. Não é uma cidade pequena (tem cerca de 500 mil habitantes e é umas das mais densamente povoadas do país), mas é muito sem graça. Fica no meio do deserto, com pouca vegetação e sem muitos locais aprazíveis para se passear. Há uma profusão de vias, asfalto e estradas – uma cidade feita para se andar de carro, até porque o calor infernal do verão e frio do inverno devem tirar qualquer disposição para se locomover a pé ou de bicicleta.

Mesmo não tendo a exuberância de San Francisco ou Nova York, nem o encanto de nossa maltratada Salvador, Albuquerque tem seus atrativos: museus de diversos tipos, como o Museu de Ciências, Museu de História Natural, Museu do Balão. Atividades ao ar livre, como visitas às montanhas, parque aquático, forte influência da cultura indígena (há reservas e aldeias, chamadas de pueblos,  próximas à cidade) e da cultura hispânica (o território pertencia ao México e foi incorporado aos EUA durante a expansão americana para o oeste). Anualmente, em outubro, Albuquerque sedia o Balloon Fiesta, o maior festival de balões do mundo, quando chegam a reunir mais de 700 balões ao mesmo tempo. Alguns com formas inusitadas, como cerveja, relógio, peixe, etc.

 

84 filmes em 105 anos  X  151 filmes em 10 anos

Desde 1898 a região serviu de cenário para filmes dos mais variados gêneros (veja lista completa). Após filmes esporádicos ao longo de décadas, nos anos 70 Albuquerque abrigou uma média de 4 produções por ano (37 filmes de 1970 a 1979). Nos anos 80 e 90 este número despencou para menos de duas produções por ano. Em 2003 alguma coisa aconteceu de diferente que fez a quantidade de produções de TV e cinema na cidade aumentar vertiginosamente: de 2003 a 2013 forma produzidas 151 obras (a média pulou para 15 por ano).

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O que teria acontecido em 2003 para Albuquerque dar este salto?

Na virada do milênio os altos custos de produção na Califórnia fizeram com que a indústria de cinema e TV buscasse refúgio em outros estados e países. O circo se instalava onde fosse mais barato filmar. Film Commissions de outros estados americanos, Canadá, México, África do Sul, Irlanda, entre outros, travavam um disputado leilão para ver quem oferecia mais descontos e benefícios aos estúdios hollywoodianos.

Em 2002 o estado do Novo México implementou seu programa de incentivos fiscais para produção com reembolso de 15% das aplicações. Em 2005 este percentual foi elevado para 25% e em 2013 permitiu chegar (em casos específicos) a 30%.

Mas o agressivo conjunto de benefícios não se baseava apenas em descontos atraentes e diminuição de exigências. Não se tratava de uma oportunista guerra de preços baixos, mas a decisão de colocar o estado no mapa da indústria cinematográfica, aproveitando o potencial geográfico:

  • clima árido a semiárido com média de 310 dias de sol por ano
  • diversidade de paisagens
  • proximidade a Los Angeles

Estes fatores, juntamente com uma equipe local capacitada e disponibilidade de boa infraestrutura física, tornou o Novo México atraente para uma ampla variedade de tipos de produção.

 

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Um item muito interessante é o programa que incentiva (com polpudos reembolsos) cada produtor a treinar os trabalhadores locais, além dos cursos e oficinas oferecidos pelo próprio estado para qualificar a mão de obra.

Maior cidade do estado, Albuquerque não se limitou a promover descontos nem se valer da boa estrutura que já possuía. Houve investimentos na qualificação profissional e ampliação da gama de serviços para atender os produtores de filmes, programas de TV, comerciais, games.

Em 2005 e 2006 foram construídos dois grandes estúdios na cidade: I-25  e ABQ Studios.

Os impactos da produção de filmes e televisão puderam ser sentidos através de uma variedade de setores da indústria, comunidades e organizações. Filmar em determinada localidade significa contratação de pessoas e serviços locais, como hotéis, locação de carros, serviços de alimentação, aluguel de casas ou espaços para servirem de cenário. Enfim, criação de empregos temporários e permanentes, desenvolvimento do comércio local, oportunidades na educação e treinamento, incremento do turismo.

Estes e outros itens têm sido avaliados através de estudos contratados pelo estado e que estão disponíveis no site da Novo México Film Commission. inclusive o mais recente, que teve concluída sua 1ª fase em julho/2014 e prossegue  até 2017 – MNP Film Study Phase I 2014

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Turismo e Cinema  –  Film induced Tourism (FiT)

Dez anos após a implementação do Programa de Incentivos à Produção de Filmes do Novo México, mais de 150 produções (apenas entre longas e seriados de TV) tiveram locação em Albuquerque. Entre os quais, 21 Gramas, de Alejandro Iñárritu; os pirotécnicos Transformers (Paramount), Vingadores (Marvel Studios) e, claro, as cinco temporadas de Breaking Bad. Mas este é um caso à parte, já que, mais do que simples locação, “a cidade se tornou um verdadeiro personagem na série”, como declarou Bryan Cranston, o ator principal que interpreta o personagem Walter White.

Visitantes de todo o mundo foram atraídos para Albuquerque, fazendo surgir uma “economia Breaking Bad”, com produtos e serviços inspirados no seriado:

  • A loja de doces Candy Lady passou a vender uma bala azulada que lembra a droga produzida por Walter White, tornando-a líder absoluta de vendas da loja. Inicialmente os doces tinham sido feitos apenas para servir como prop (objeto de cena).
  • A lanchonete Twisters, que serviu de locação para a fictícia unidade de fast food Los Pollos Hermanos, diariamente recebe visitantes de diversas partes do mundo loucos para tirar fotos. A parte interna da lanchonete foi mantida conforme exibida na série (só o cardápio é diferente).
  • Diversos locais muito conhecidos pelos fãs podem ser visitados em tours como o oferecido pela ABQ Trolley’s, o BaD Tour. Outra empresa, a RV Tours, oferece este mesmo passeio utilizando um trailer idêntico ao que serviu de “cozinha móvel” aos personagens principais no início do seriado. Outras agências promovem o tour em bicicleta ou limusine.
  • Já existe uma Convenção anual para reunir fãs de Breaking Bad, com debates, participação de atores da série, feiras, etc. Uma peregrinação tal qual as de fieis que vão a santuários religiosos ou torcedores que seguem seu time do coração. Ou seja, modos de prolongar a experiência através de percursos e relíquias.

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Camisetas, objetos e serviços que estendem a interação e consumo da audiência com o produto audiovisual para além da exibição. Para algumas obras a cadeia produtiva não se esgota nas telas. Vai muito além delas.

A projeção que o sucesso de Breaking Bad trouxe para a cidade não foi casual, mas resultado de um sério e contínuo planejamento governamental. Um caso que se tornou referência em diversas áreas, e particularmente no relativamente recente segmento do Film-induced Tourism (Turismo induzido por Filmes).

 

Bahia e Brasil

É óbvio que, particularmente para o caso da Bahia, não cabe trazer este modelo de produção para estas bandas. São mundos completamente diferentes, com histórias, objetivos, estruturas e estágios de evolução que não podem ser comparados. Temos outros caminhos a percorrer e outros obstáculos a transpor (como os próprios filmes que são produzidos no Novo México).

No entanto, pelo menos dois aspectos intrínsecos ao programa do Novo México devem nos servir de referência. Dois itens sem os quais NENHUM projeto consegue ser bem sucedido, seja qual for o setor e local de sua implementação:

  1. INVESTIMENTO CONTÍNUO (repetindo: CONTÍNUO, sem interrupção por conta de mudança de governo). Política estável e continuada de fomento ao setor audiovisual.

Neste item podemos incluir também a questão cumprimento de acordos. Os atrasos nos repasses de recursos são uma praga que quebram qualquer possibilidade de se ter um mercado de audiovisual competitivo. E pior do que isso, quebra a confiança.

  1. ARTICULAÇÃO entre os atores envolvidos no setor. Ou seja: COMUNICAÇÃO.  Uma ferramenta fundamental neste processo é um site ou portal na internet que faça a interligação da cadeia produtiva: educação, formação, catálogo de serviços, locações, organizações, instituições.

Os sites das Film Commissions de Albuquerque e Novo México são também bons exemplos informações importantes e disponibilizadas de modo prático para quem busca locais para filmar. Seguem alguns links:

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Lançado em julho deste ano pela ANCINE, em parceria com o MinC – Ministério da Cultura, e com recursos do FSA – Fundo Setorial do Audiovisual, o programa Brasil de Todas as Telas visa transformar o País em um dos cinco maiores centros mundiais de produção e programação de conteúdos audiovisuais. Para atingir esta meta foram articuladas ações em linhas de produção, distribuição e programação de conteúdo audiovisual, além de capacitação e formação profissional, com parcerias público privadas e estímulo a políticas regionais de fomento.

Como frutos deste programa, na Bahia tivemos dois editais (Fomento à Produção Audiovisual e Chamada Pública para seleção, cadastramento e licenciamento de obras audiovisuais) com foco na exibição na rede pública de TVs em todos os estados, mas com abertura para negociação com outros canais.

Por outro lado, tivemos um site da Bahia Film Commission que foi reduzido a esta página no portal da DIMAS – Diretoria de Audiovisual e a uma página no Facebook. Não foram encontradas referências a uma film commission de Salvador. Em 2009 foi publicado o Diagnóstico da Rede Audiovisual da Bahia.

No momento em que um novo governo estadual se prepara para assumir, é mais que momento do setor audiovisual voltar a se articular para propor, rever metas e construir pontes.

 

PAULÍNIA – SP

No Brasil um exemplo semelhante foi o Pólo Cinematográfico de Paulínia, no interior de São Paulo. A cidade começou a ter projeção nacional com a produção de dezenas de longas-metragens, cursos voltados ao setor audiovisual, inclusive uma escola de animação stop-motion. Mas, com a mudança de governo municipal, o empreendimento foi abandonado por dois anos. Ao que parece, foi retomado em 2014 com o retorno do Festival de Cinema de Paulínia e alguns editais (veja notícia no Estadão).

 

 

 

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